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Um dia o mais novo, e já não tão novo, conheceu uma moça, gostou da moça, acabou se casando com a moça..
Casou e mudou.
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Tempos depois, indo visitar o pai e os irmãos, não escondeu seu entusiasmo:
— Gente, vocês não sabem como mulher é bom! Serve para tanta coisa!!!
— Gente, vocês não sabem como mulher é bom! Serve para tanta coisa!!!
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Hoje em dia, prevalece mais a que decorre do comentário feito por aquele outro, depois que se casou:
— Então quer dizer que casamento é isso: Ela lava e eu enxugo?
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— Pois comigo agora vai ser diferente — pensava ela, ao deixar o trabalho.
Em vez de ir direto para casa fazer o jantar do marido, foi ao cabeleireiro mudar o penteado.
Depois de vários meses sem cozinheira, chegara enfim o dia de não encostar a barriguinha no fogão, como ele costumava gracejar, aliás sem graça nenhuma.
Em vez de ir direto para casa fazer o jantar do marido, foi ao cabeleireiro mudar o penteado.
Depois de vários meses sem cozinheira, chegara enfim o dia de não encostar a barriguinha no fogão, como ele costumava gracejar, aliás sem graça nenhuma.
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Em vão ela havia tentado avisar, telefonando-lhe para o escritório, que queria jantar fora naquela noite:
— não está na sala ... está em reunião ... ainda não chegou ... já saiu. Onde diabo estaria?
— não está na sala ... está em reunião ... ainda não chegou ... já saiu. Onde diabo estaria?
Nenhuma ponta de ciúme chegou a se manifestar na sua irritação por não encontrá-lo: parece até que está fugindo de mim, pensou apenas, indo finalmente para casa.
— Eu hoje quero jantar fora — foi declarando, categórica, quando ele lhe abriu a porta.
— Onde você andou? — perguntou ele, dando-lhe passagem.
— Que eu queria jantar fora.
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— Vim mais cedo para casa. Como não te encontrei...
— Eu sei, você já falou. Não te encontrei, e estava com fome...
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Que é que ele queria dizer? Que já havia jantado?
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— Jantado, propriamente, não.
Como estava com fome, fritei um ovo, e tinha um resto de arroz na geladeira... Não achei mais nada.
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— Não achou nada porque eu não vim fazer o jantar.
— Estou sabendo. Foi ao cabeleireiro.
— Estou sabendo. Foi ao cabeleireiro.
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— Isso mesmo. Fui e hoje eu quero jantar fora — insistiu ela
— Não venha me dizer que você não vai me levar só porque comeu um ovo.
— Calma, minha filha — fez ele, evasivo:
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— Jantar onde?
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Você nem acabou de chegar da rua e já quer sair de novo.
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Que diabo de penteado é esse?
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O comentário final foi a gota d'água — ela, que esperava dele um elogio pelo penteado.
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— Não pensa que você me leva na conversa — protestou, indignada.
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— Eu quero saber se vai me levar para jantar. Se não vai, diga logo, que eu vou sozinha.
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Um tanto temerária, aquela afirmativa, admitiu ela para si mesma: jantar sozinha como? onde? com quem? e pagar com quê?
— Estou com fome... — choramingou, para ganhar tempo.
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Ele fora sentar-se diante da televisão, indiferente, enquanto ela ficava por ali, lamuriando a sua fome.
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— Vê se encontra aí qualquer coisa para comer, como eu fiz
— ele se limitou a dizer.
— ele se limitou a dizer.
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Ela botou as mãos na cintura e sacudiu com raiva a cabeça, ao risco de desmanchar o penteado.
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— Olha bem para mim e vê se me acha com cara de arroz com ovo.
— Ovo, só tinha um — ele ria, o cínico! — E o arroz já era.
Num impulso de revolta, ela se voltou para a porta:
— Não preciso de você. Na casa da mamãe deve ter sobrado alguma coisa do jantar.
— Não preciso de você. Na casa da mamãe deve ter sobrado alguma coisa do jantar.
— Ridículo — ele se limitou a suspirar, e voltou a se distrair com a televisão.
Em vez de sair, ela partiu batendo os saltos em direção à cozinha. Pôs-se a remexer ruidosamente em tudo, devassando a geladeira, abrindo latas e destampando panelas.
Acabou encontrando duas bolachas e, no armário sobre a pia, uma simples, única e solitária cebola. Começou a descascá-la, já em lágrimas, soluçando alto para que ele ouvisse lá da sala.
Em pouco ele vinha bisbilhotar:
— Que é que você está fazendo? Está chorando por quê? Por causa dessa cebola?
Em pouco ele vinha bisbilhotar:
— Que é que você está fazendo? Está chorando por quê? Por causa dessa cebola?
— Não seja estúpido — reagiu ela, enxugando as lágrimas com as costas da mão: — Estou chorando porque estou sem comer!
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— Amanhã te levo para jantar fora — concedeu ele.
— Não preciso de você. Se eu quiser, eu sei como encontrar alguém que me leve ainda hoje.
O sorriso irônico dele não animava a prosseguir nesse caminho: não encontraria ninguém, ainda mais assim de repente — nem ao menos uma amiga tão infeliz quanto ela.
Descobrindo no armário um tablete de caldo de carne, animou-se e com deliberação pôs-se a preparar uma sopa de cebola, enquanto ele voltava para a televisão.
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Levou a bandeja com a sopa para tomar na sala, com as duas bolachas, como se fosse o melhor dos jantares, esperando que o cheiro que dela emanava, realmente apetitoso, provocasse nele alguma fome.
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Se tal aconteceu, ele não deu mostras: em pouco desligava a televisão e, espreguiçando, ia para o quarto dormir.
Como era de esperar, passaram a noite de costas um para o outro.
Como era de esperar, passaram a noite de costas um para o outro.
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Pela manhã nenhum dos dois tomou a iniciativa de romper o silêncio. E em silêncio partiu cada um para o seu trabalho.
O que mais doía nela era o detalhe do penteado que fez questão de desfazer durante o banho. Ao longo do dia não se telefonaram, como costumavam fazer.
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À tarde, quando ela regressou, teve a surpresa de sua vida: encontrou a mesa posta, com o que havia de melhor a esperá-la para o jantar dos dois.
Até mesmo, como sobremesa, aquela tortinha de mil-folhas de que gostava tanto.
Ao lado do prato, um bilhete: "Para que você hoje não passe fome."
— Como é que você fez tudo isso? — exclamou, ao vê-lo surgir do quarto.
— Encostando a barriguinha no fogão.
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— Encomendou no restaurante?
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— ela concluiu, encantada.
Ele a abraçou, afagou-lhe os cabelos...Ficam tão mais bonitos assim, ao natural.
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Findo o jantar, ele quis levá-la em seguida para o quarto, mas ela pediu que esperasse...Ia primeiro tirar a mesa e lavar os pratos.
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— Eu lavo e você enxuga — disse, com doçura.
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Findo o jantar, ele quis levá-la em seguida para o quarto, mas ela pediu que esperasse...Ia primeiro tirar a mesa e lavar os pratos.
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— Eu lavo e você enxuga — disse, com doçura.
.Mais tarde, já na cama, ao tê-la nos braços, ele admitiria para si mesmo: Como mulher é bom! Serve para tanta coisa!!!
.Sobre o autor:
Fernando Sabino é mineiro de Belo Horizonte e viveu boa parte da vida no Rio de Janeiro. Além de Jornalista e Cineasta, foi um exímio Cronista e um grande Romancista — autor de um dos melhores romances do século passado “O Encontro Marcado” — e talvez o melhor de sua geração.
Entre seus livros se destacam: “A Cidade Vazia”, “O Grande Mentecapto”, “O Menino no Espelho”, “O Homem Nu”, “A Falta que Ela me Faz”, “A Volta por Cima”, “Com a Graça de Deus”, entre inúmeros outros.
Como Mulher é Bom! Serve Para Tanta Coisa
Texto do livro No Fim Dá Certo ─ Fernando Sabino
http://saltitandocomaspalavras.blogspot.com
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