O pastor, as Ovelhas, os Lobos e os Tigres



Era uma vez um pastor que gostava muito de suas ovelhas. Gostava delas porque eram mansas e indefesas: não tinham garras, não tinham presas, não tinham chifres. Eram incapazes de atacar e incapazes de se defender. Mansamente, elas se deixavam tosquiar.

O pastor gostava tanto delas que prometeu defendê-las sempre de qualquer perigo. Como prova do seu amor, tornou-se vegetariano. Jamais mataria uma ovelha para comer. Como resultado de sua dieta de frutas e vegetais, o pastor era muito magro.

Havia, nas matas vizinhas, lobos que também gostavam das ovelhas. Gostavam delas porque eram mansas e indefesas: não tinham garras, não tinham presas, não tinham chifres. Eram incapazes de atacar e incapazes de se defender. Mansamente, se deixavam devorar.

O pastor estava sempre atento para proteger suas ovelhas contra os ataques dos lobos. Levava um longo cajado nas mãos, para golpear os lobos atrevidos que chegavam perto, e arco e flechas para ferir os prudentes que ficavam longe.

Viviam, assim, pastor, ovelhas e lobos, num delicado equilíbrio.

A notícia das ovelhas chegou aos ouvidos de uns cães famintos e de umas hienas magras que moravam nas cercanias. Resolveram mudar-se para a floresta dos lobos para melhorar de vida. Parentes que eram, falavam a mesma língua e logo se entenderam. Organizaram-se, então, de forma racional, a fim de terem churrascos mais frequentes.

O cajado e as flechas do pastor se mostraram impotentes diante das novas táticas. Enquanto ele espantava os lobos que se aproximavam pelo sul, os cães e as hienas matavam as ovelhas que pastavam ao norte.

O pastor concluiu que providências urgentes tinham de ser tomadas para a segurança das ovelhas. Pensou: “Os lobos, os cães e as hienas atacam porque as ovelhas são indefesas. Se elas tiverem meios de se defender, eles não se atreverão. Preciso armar minhas ovelhas”.

Mandou então fazer dentaduras com dentes afiados, chifres pontudos e garras de ferro, com que dotou suas mansas ovelhas. Os lobos e seus aliados, vendo as ovelhas assim armadas, riram-se da ingenuidade do pastor.

O fato é que as ovelhas ficaram ainda mais indefesas do que eram, pois não sabiam usar as armas com que o pastor as dotara. Os churrascos ficaram ainda mais frequentes. com isso, lobos, hienas e cães engordaram.

O pastor teve, então, outra ideia: “vou contratar guardas de segurança profissionais para proteger minhas ovelhas”. Os guardas teriam de ser mais fortes do que cães, hienas e lobos. “Tigres” pensou o pastor. Mas logo teve medo. “Tigres são carnívoros. É possível que gostem de carne de ovelha.” Só se houvesse tigres vegetarianos.

Soube, então, que um criador de tigres, com o uso de técnicas psicológicas Pavlovianas, havia conseguido transformar tigres carnívoros em tigres vegetarianos. Seus hábitos alimentares eram iguais aos das ovelhas. Nesse caso, não ofereciam perigo.

O pastor, então, contratou os tigres vegetarianos como guardas de suas ovelhas. Os tigres, obedientes, começaram a guardar as ovelhas e diariamente recebiam, como pagamento, uma farta ração de abóboras, nabos e cenouras.

Os lobos, as hienas e os cães, vendo os tigres, ficaram com medo. Como medida de segurança, passaram a caçar as ovelhas durante a noite.

Os tigres, patrulhando a floresta, vez por outra encontravam os restos dos churrascos com que lobos, hienas e cães haviam se banqueteado. Sentiram, pela primeira vez, o cheiro delicioso de carne de ovelha.

Lambendo os restos, sentiram pela primeira vez o gosto bom do seu sangue. E perceberam que carne de ovelha era muito mais gostosa que sua ração de abóboras, nabos e cenouras.

Pensaram então: “Melhor que ser empregados do pastor seria ser aliados dos lobos, das hienas e dos cães”. E foi o que aconteceu. Tigres, lobos, hienas e cães tornaram-se sócios.

Os lobos, as hienas e os cães tornaram-se atrevidos. Não atacavam mais durante a noite. Atacavam em pleno dia. Ouvindo os balidos das ovelhas, o pastor gritava pelos tigres. Mas eles não se mexiam. Faziam de conta que nada estava acontecendo. Mal sabia ele que os tigres, durante as noites, comiam churrasco com os lobos, as hienas e os cães.

O pastor resolveu pôr ordem na casa. Chamou os tigres. Repreendeu-os. Ameaçou cortar sua ração, ameaçou despedi-los.

Foi então, em meio ao sermão do pastor, que os tigres começaram a se perguntar uns aos outros: “Qual será o gosto da carne de um pastor?”. E responderam: “É preciso experimentar!”. Dada essa resposta, o mais forte deles abriu uma boca enorme e emitiu um rugido horrendo, mostrando os dentes afiados.

O pastor, olhando para a boca do tigre, viu então o que nunca imaginara ver: chumaços de lã entre os dentes do tigre.

Num relance, ele percebeu o destino que o aguardava: ser churrasco de tigre. E seu pensamento voou depressa. O pastor já notara que os lobos, as hienas, os cães e os tigres estavam gordos e felizes.

Ele, vegetariano, defensor das ovelhas, estava cada vez mais magro. E assim, numa fração de segundo, ele compreendeu a realidade da vida. E, antes que o tigre o devorasse, ele propôs: “Façamos uma aliança…”.

E, desde esse dia, a fazenda, que se chamava “Ovelha Feliz”, passou a se chamar “Ovelha Saborosa”. E o pastor, os tigres, os lobos, as hienas e os cães viveram felizes pelo resto dos seus dias, cada vez mais gordos, as bocas sempre lambuzadas com gordura de ovelha.

Autor: Rubem Alves (Educador, escritor e psicanalista)

Neste texto,  Rubem Alves utiliza-se de um tema campestre para  conduzir o leitor a refletir como funcionam as relações entre povo, políticos e as elites dominantes.  

Da mesma maneira que o pastor de ovelhas, vegetariano, que para se salvar e não ser comido pelos tigres, hienas e lobos, entregou suas ovelhas aos predadores e passou a comê-las também, tornou-se “um plus” a utilização dessa forma de negociação na  sociedade à qual pertencemos.

 É ou não é?!?

Assim, as ovelhas são o povo em geral; os cães, lobos, hienas são os políticos e as elites dominantes e o pastor é aquele político que inicialmente tinha boas intenções... mil projetos... mil promessas  para o povo, mas, diante da iminência de ser devorado politicamente, logo vê em “algumas alianças” a oportunidade de manter seus privilégios e interesses, sem se preocupar com os prejuízos do povo que o elegeu. 

A lição que fica: Algumas pessoas parecem destinadas  e “aceitam” serem ovelhas e, outras, parecem serem escolhidas que “por sobrevivência... benesses... etc. ”, aceitam serem pastores, lobos ou cães, embora saibam que cada um tem a capacidade de escolher o que quer ser na vida.

Pode-se dizer que, muitas vezes, nossas escolhas  podem adiar ou encurtar o caminho rumo à felicidade, já que a justiça divina tarda, mas não falha, embora a dos homens, aqui e acolá, seja tardia e injusta. 

Tags: Pastor, ovelhas, lobos, tigres, hienas, sangueabóboras, nabos e cenouras.