Convidaram-me a participar de um congresso sobre
educação, na Itália. Fui. Esperava que fosse igual aos muitos congressos de que
já participei: conferencistas famosos, pedagogos, filósofos, professores,
educadores, políticos, todos explicando teorias sobre a educação.
Assim é porque aqueles que comparecem a congressos
são sempre adultos. Mas uma surpresa me aguardava: o congresso estava cheio de
crianças. Se são as crianças que vão ser objetos da educação é absurdo pensar
sobre o que se vai fazer com elas sem que elas sejam ouvidas. Lá estavam elas,
misturadas com os adultos.
Fiquei com inveja delas e saudades do meu tempo de
criança. Fiquei fascinado pela oficina para se fazer brinquedos, com serras,
martelos, morsas, alicates, papéis, barbante, cola, carretéis, elásticos,
madeira, etc. Aí vi que as crianças de qualquer parte do mundo podem se
entender porque os brinquedos, como a música, são uma linguagem universal que
não necessita de palavras.
Os jogadores de xadrez jogam xadrez mesmo se falam línguas diferentes. Crianças de países diferentes podem, juntas, armar quebra-cabeças, jogar pião, empinar pipas, pular corda...
Os jogadores de xadrez jogam xadrez mesmo se falam línguas diferentes. Crianças de países diferentes podem, juntas, armar quebra-cabeças, jogar pião, empinar pipas, pular corda...
Eu não falo italiano. Estava lá, andando invejoso
entre os meninos. Aí um jovem, vendo meu sorriso de inveja, sem dizer uma
palavra, veio empurrando um carrinho de rolimã e simplesmente me fez um gesto.
Assentei-me no carrinho e lá fui eu, empurrado pelo jovem, correndo como se
fosse piloto de fórmula 1, rindo de felicidade. E percebi que andar num
carrinho de rolimã me dá mais prazer que guiar automóvel.
Quando guio um automóvel sou adulto. Quando ando de
carrinho de rolimã sou criança. Só tive uma reclamação a fazer: é que os
carrinhos de rolimã são feitos para crianças – o que revela um miserável
preconceito.
Por acaso os adultos não têm direitos?
Por acaso eles estão proibidos de entrar no mundo
das crianças?
E não se fala tanto em "inclusão"?
Eu quero ser incluído no mundo das crianças.
Exijo os meus direitos. Pena que lá não houvesse balanços, um dos meus brinquedos favoritos. Balanços, pra existir, precisam de árvores grandes com galhos fortes ou armações de madeira. E lá não havia nem uma coisa nem outra. É impossível balançar sem se sentir leve e com vontade de rir. Balanço é terapia contra depressão.
Exijo os meus direitos. Pena que lá não houvesse balanços, um dos meus brinquedos favoritos. Balanços, pra existir, precisam de árvores grandes com galhos fortes ou armações de madeira. E lá não havia nem uma coisa nem outra. É impossível balançar sem se sentir leve e com vontade de rir. Balanço é terapia contra depressão.
Os brinquedos dão prazer. Os brinquedos fazem
pensar. Quer ver? Você sabe que, sem ter ninguém que o empurre, você pode fazer
o balanço balançar alto, até fazer o pé tocar na folha do galho, pela simples
alternância da posição das pernas, pra frente e pra trás.
Eu lhe pergunto então: por que é que essa alternância na posição das pernas, sem encostar em nada, produz o movimento do balanço?
Eu lhe pergunto então: por que é que essa alternância na posição das pernas, sem encostar em nada, produz o movimento do balanço?
E o ioiô? Participei de um congresso sobre
brinquedos, na Bahia. Havia uma infinidade de brinquedos em exposição. De
alguns, apenas as fotografias. Como, por exemplo, pipas do tamanho de uma casa,
pesando quinhentos quilos.
E a fotografia de um mosaico grego, de antes de Cristo. Pois nesse mosaico aparecia um grego jogando ioiô! Nunca imaginei que os ioiôs fossem tão antigos! Pergunto: o que é que faz com que o ioiô vá para baixo e para cima?
E a fotografia de um mosaico grego, de antes de Cristo. Pois nesse mosaico aparecia um grego jogando ioiô! Nunca imaginei que os ioiôs fossem tão antigos! Pergunto: o que é que faz com que o ioiô vá para baixo e para cima?
E que dizer dos quebra-cabeças?
Quantas funções intelectuais altamente abstratas
entram em jogo enquanto se monta um quebra-cabeças!
E as bolhas de sabão! Me explique, por favor: por
que é que elas são tão redondinhas?
E os piões:
por que é que se equilibram sobre um prego?
Lá no congresso na Itália parei diante de um
quebra-cabeças, dois pregos entrelaçados que, se se pensar bem, podem ser
separados. Fiquei longos minutos lutando com os ditos pregos.
E pensei: Que coisa mais estranha! Não vou ganhar
nada se conseguir separar os dois pregos. O que é que faz que eu esteja aqui,
perdendo o tempo e quebrando a cabeça? A resposta é simples: pelo desafio.
Todo brinquedo bom é UM desafio. E isso nada tem a
ver com esses brinquedos eletrônicos comprados, em que não se usa a
inteligência mas apenas o dedo para apertar um botão. Brinquedo bom tem de ser
desafio. Brinquedo bom tem de fazer pensar.
No congresso distribuíram um página com os
"Dez Direitos Naturais das Crianças" que quero compartilhar com
vocês.
1. Direito ao ócio: Toda criança tem o direito de
viver momentos de tempo não programado pelos adultos.
2. Direito a sujar-se: Toda criança tem o direito
de brincar com a terra, a areia, a água, a lama, as pedras.
3. Direito aos sentidos: Toda criança tem o direito
de sentir os gostos e os perfumes oferecidos pela natureza.
4. Direito ao diálogo: Toda criança tem o direito
de falar sem ser interrompida, de ser levada a sério nas suas idéias, de ter
explicações para suas dúvidas e de escutar uma fala mansa, sem gritos.
5. Direito ao uso das mãos: Toda criança tem o
direito de pregar pregos, de cortar e raspar madeira, de lixar, colar, modelar
o barro, amarrar barbantes e cordas, de acender o fogo.
6. Direito a um bom início: Toda criança tem o
direito de comer alimentos sãos desde o nascimento, de beber água limpa e
respirar ar puro.
7. Direito à rua: Toda criança tem o direito de
brincar na rua e na praça e de andar livremente pelos caminhos, sem medo de ser
atropelada por motoristas que pensam que as vias lhes pertencem.
8. Direito à natureza selvagem: Toda criança tem o
direito de construir uma cabana nos bosques, de ter um arbusto onde se esconder
e árvores nas quais subir.
9. Direito ao silêncio: Toda criança tem o direito
de escutar o rumor do vento, o canto dos pássaros, o murmúrio das águas.
10. Direito à poesia: Toda criança tem o direito de
ver o sol nascer e se pôr e de ver as estrelas e a lua.
E aí eu pedi às crianças licença para acrescentar o
décimo primeiro direito:
11. Todo adulto tem o direito de ser criança...
Desejo que você, nesse "Dia das
Crianças", redescubra a delícia que é ser criança. Porque, como disse
Fernando Pessoa: "Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças".
Nesta vida, pode-se
aprender três coisas de uma criança:
estar sempre alegre, nunca ficar inativo e chorar com força por tudo o
que se quer.
— Paulo Leminski
Saudades do meu Tempo
de Criança…
Título original: O
Melhor de tudo são as Crianças...
Autor: Rubem Alves
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prego, ioiô.
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